Amazonas

Luta feminina: o caminho da técnica de enfermagem Vanda Witoto até a primeira vacina contra Covid-19 no Amazonas

No dia 18 de janeiro de 2021, o Amazonas recebia o primeiro lote de vacinas contra a Covid-19 enviado pelo Ministério da Saúde e, horas depois, imunizava a primeira pessoa em solo amazonense. Vanda Ortega, técnica de enfermagem e indígena da etnia Witoto recebeu a primeira dose da vacina no estado, representando milhares de mulheres que atuam na linha de frente no combate à doença. Neste Dia Internacional da Mulher, ela relembra sua trajetória, que compreende luta, estudo, dedicação ao serviço público e compromisso com a vida de centenas de indígenas, principalmente mulheres.

Vanda é natural do município de Amaturá, a 909 quilômetros de Manaus, e atualmente mora no bairro Parque das Tribos, na zona oeste da capital amazonense. Após chegar à cidade, aos 16 anos, ela trabalhou durante oito anos como doméstica em casas de família, até conseguir um emprego como atendente em uma loja.

Apesar de destacar a jornada de trabalho nos primeiros anos na capital, ela não deixa de lado a importância do seu interesse pela educação e as dificuldades de conciliar o trabalho com os estudos. “Nessa adversidade toda por que eu passei, eu nunca faltei à escola, porque era um lugar que eu me sentia muito segura. Eu fazia esses sacrifícios porque eu acredito na educação, então é através dela que minha vida tem sido transformada”, disse.

Universidade e a identidade – Foi nesse contexto de luta e amor aos estudos que Vanda iniciou a jornada rumo à universidade. De posse do seu Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani), documento expedido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), Vanda é aprovada na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) dentro da política de cotas estabelecida pela instituição.

“No final de 2015 eu passo em 1º lugar, dentro da política de cotas da Universidade do Estado do Amazonas para Pedagogia, e lá começa a minha grande luta para me descobrir. Eu entro com a política de cotas, então eu tenho uma responsabilidade, diante disso, de entender por que foi criada a cota, por que tem uma vaga diferenciada, o porquê de tudo isso”, afirmou a técnica de enfermagem.

Atualmente, Vanda é finalista do curso de Pedagogia da UEA e uma das mais importantes vozes indígenas dentro da universidade, integrando e fortalecendo os direitos dos povos na educação pública estadual.

Serviço público – Ainda antes de ingressar na universidade, Vanda havia finalizado um curso de técnica de enfermagem, um grande passo para o verdadeiro sonho de atuar na área da Saúde.

“Em 2014, um ano depois de formada, eu prestei o concurso público da Susam (Secretaria de Estado de Saúde, atual SES-AM), e para minha grata surpresa, foi a coisa mais louca da minha vida foi passar nesse concurso público em 2014. Eu gritava quando via o resultado porque nunca pensei em passar”, afirmou.

Atualmente, Vanda é servidora na Fundação Alfredo da Matta, vinculada à SES-AM. Aliado a isso, ela também atua voluntariamente no tratamento de pacientes indígenas com Covid-19 no Parque das Tribos.

Luta e vacinação – A caminhada até a primeira imunização do Amazonas foi longa. Ao descobrir e encontrar-se com sua identidade ancestral, Vanda Ortega assume o compromisso com milhares de indígenas que, no dia de 17 de janeiro, sentiram-se representados. Mulheres amazonenses, indígenas ou não, tiveram a oportunidade de conhecer a história da primeira mulher vacinada do Amazonas.

Em 2020, Vanda foi uma das três reivindicadoras de uma atenção diferenciada aos indígenas da capital durante a pandemia de Covid-19, resultando na abertura de uma ala exclusiva para pacientes indígenas no Hospital de Combate à Covid-19, aberto pelo Governo do Estado, que começou a receber pacientes no dia 26 de maio, com capacidade de 53 leitos exclusivos para indígenas.

“Graças a esse encontro que foi possível a construção e a montagem da ala indígena, e quando a gente foi para a inauguração da ala, que foi acho que uns 20 dias depois, a ala foi entregue para a sociedade, para as populações indígenas, foi um momento muito importante, porque ali foi possível colocar uma ambiência com redes. Foi algo muito simbólico para a gente ver a rede dentro daquele hospital, porque era um pedido dos nossos parentes”, enfatizou.

Importante voz na luta pela vacinação, Vanda Witoto fala às mulheres amazônidas, do interior, da capital, tornando-se um importante símbolo de luta feminina e, principalmente, indígena.

“Eu acho que nós, mulheres amazônicas, tanto indígenas, negras, quilombolas, ribeirinhas, seringueiras, lavadeiras, toda a mulher da região Norte tem uma força ancestral, porque esse território aqui é ancestral, ele tem uma origem sagrada, uma origem de muita força, de muita resistência. A realidade dessas mulheres perpassa pela minha vida, e quando eu percebo a realidade da outra mulher me permito ser afetada por ela, a gente vai se reconhecendo nas nossas lutas, nas nossas fraquezas, nas nossas vitórias”.

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