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“Manter o equilíbrio fiscal é a prioridade número um do país”, afirma economista José Márcio Camargo

Entre as prioridades da agenda econômica do presidente eleito, especialistas apontam que o controle dos gastos públicos é fundamental. Doutora em economia, Margarida Gutierrez diz que queda da arrecadação e aumento dos gastos públicos podem desajustar o equilíbrio fiscal e frear o crescimento econômico

A escolha do presidente que vai comandar o Brasil pelos próximos quatro anos vai ocorrer apenas no dia 30 de outubro, mas, independentemente do resultado das urnas, o eleito deverá se comprometer com o equilíbrio fiscal, a reforma tributária e o crescimento econômico. Essas são as três pautas mais importantes para o futuro da economia brasileira, segundo especialistas ouvidos pelo portal Brasil 61. 

Questionados sobre quais devem ser as prioridades da agenda econômica do próximo presidente da República, eles elencaram, de forma espontânea, e quase unânime, essas três pautas. 

Equilíbrio fiscal

O controle dos gastos públicos deve ser a prioridade imediata do país, afirmam os economistas. E essa pauta pode ser observada sob duas perspectivas: resultado primário e dívida pública federal. 

O resultado primário é a diferença entre o que o governo arrecada e gasta em um determinado período. Logo, se o poder público tem mais receitas do que despesas no ano, diz-se que o resultado primário é um superávit, ou seja, que o governo fechou as contas no azul. Mas se a máquina pública gasta mais do que arrecada, tem-se um déficit, o que quer dizer que o governo ficou no vermelho. 

José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e economista-chefe da Genial Investimentos, afirma que o Brasil deve gerar um superávit primário pela primeira vez desde 2013. Essa também é a avaliação da Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento, que estima saldo positivo de R$ 13,5 bilhões no ano. Os dados apontam que a arrecadação do governo aumentou e as despesas diminuíram. 

“Isso é bastante positivo. A pergunta que fica para 2023 e para frente é quão estrutural é esse ajuste fiscal. Os exercícios que a gente tem feito aqui têm mostrado que alguma coisa em torno de 40% do aumento da receita é estrutural”, projeta. 

Isso significa que quase metade da arrecadação que o governo vem percebendo ao longo de 2022 não é passageira. Veio para ficar. “Ou seja, não depende da taxa de inflação. É um aumento de receita que está muito mais ligado às reformas que foram feitas, à formalização do mercado de trabalho, à formalização da economia como um todo, ao fato de que a bancarização aumentou muito. O Pix, por exemplo, fez com que muita gente se ‘bancarizasse’ e, consequentemente, a pagar impostos, nem que fosse indireto”, avalia Camargo. 

Doutora em economia e professora do Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Margarida Gutierrez destaca que os “indicadores fiscais da economia brasileira melhoraram muito nos últimos dois anos”. Ela diz que há, de fato, um crescimento expressivo das receitas do governo, em parte estrutural, mas que outros componentes conjunturais, como a inflação, o preço das commodities e a atividade econômica, que impulsionaram a arrecadação neste ano, devem ser diferentes em 2023. 

“Ao que tudo indica, no ano que vem a gente vai ter condições fiscais muito piores. A arrecadação não vai crescer com a mesma intensidade. Esse superávit primário não deve se repetir”, avalia. 

Por isso, embora o cenário atual seja positivo, a economista prega cautela. “Os próximos presidentes estão falando que vão manter o Auxílio Brasil em R$ 600 e isso dá um aumento de gasto em torno de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões dentro do orçamento”, explica. 

Com expectativa de menos receitas, mais gastos e crescimento de apenas 0,53% do PIB no ano que vem, segundo o último Relatório Focus, o equilíbrio fiscal deve ser acompanhado de perto, diz Fernando Mansano, economista-chefe do Grupo Empiricus. 

“A gente tem duas questões importantes na questão dos gastos públicos. A primeira é a atual taxa de juros, que acaba corroborando para uma dívida bruta maior. Por outro lado, a gente tem um cenário de desaceleração econômica internacional que deve impactar aqui também. Acredito que a pauta fiscal deve ficar em evidência”, analisa. 

Dívida pública

Os especialistas afirmam que manter os gastos públicos sob controle vai evitar que o segundo componente desande: a dívida pública federal. Essa dívida nada mais é do que o dinheiro que o governo pega emprestado com pessoas físicas, empresas e bancos para financiar o déficit público. Quando as contas públicas fecham no vermelho, o governo federal tem três alternativas para cobrir o buraco: aumentar a arrecadação, geralmente elevando impostos; diminuir os gastos; ou pedir crédito. 

Em 2021, a dívida pública federal foi de 80,3% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Banco Central. No ano anterior, chegou a 88,6% do PIB. “O Brasil, como todos os países do mundo, durante a pandemia aumentou muito os seus gastos fiscais, o que fez com que aquela relação dívida-PIB saísse de 75%, em 2019, para quase 90% em 2020. Porém, em 2021, o governo fez um ajuste fiscal extremamente duro, reduziu a relação dívida-PIB e vai fechar o ano [2022] em 75% do PIB novamente”, aposta o economista José Camargo.  

Margarida Gutierrez explica que o orçamento do governo federal para o ano que vem não vai comportar aumento de gastos, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, prevista até o fim deste ano. “O teto dos gastos não consegue encaixar mais nenhuma despesa adicional. Então vai ter que fazer uma revisão das regras. Aí está um ponto muito delicado, porque dependendo da regra ou da não-regra, você pode ter o caos em termos de desequilíbrio fiscal, com um aumento enorme do déficit público e, portanto da dívida pública”, alerta. 

Os especialistas explicam que, embora a dívida pública esteja controlada no momento, o cenário econômico que se aproxima não permite aventuras fiscais, sob o risco de comprometer o crescimento do país nos próximos anos. 

“O problema é que nossa dívida pública já é muito maior que a média dos países emergentes. E sobre ela incide uma taxa de juro real de 6% ao ano. Ela é muito cara. Só isso já condiciona uma trajetória explosiva para a dívida pública e, uma trajetória explosiva para dívida pública percebida como insolvente, gera uma série de desequilíbrios na economia que não permitem o crescimento dela. O risco Brasil sobe, a taxa de câmbio sobe, os juros futuros sobem, as expectativas de inflação sobem e o PIB despenca”, diz a professora do Coppead/UFRJ. 

“O ponto é o seguinte: se o governo quiser aumentar gastos a partir do próximo ano, isso não é sustentável e a gente vai ter problemas para sustentar uma relação dívida-PIB estável ou decrescente, o que vai gerar o aumento do risco fiscal e a gente vai entrar numa trajetória bastante diferente do que está vendo hoje”, completa José Camargo. 

Assim como ocorre com uma família com alto endividamento, o aumento do déficit orçamentário e, consequentemente, da dívida pública do governo federal passa um sinal negativo aos credores: essencialmente, de que o país terá dificuldade ou mesmo não terá condições de pagar a dívida, o que encurta os prazos e aumenta os juros para novas operações. 

As consequências impactam toda a economia e a vida da população, já que menos investidores se sentem seguros em investir no país, o real se desvaloriza, os juros e a inflação tendem a subir e o crescimento econômico é prejudicado, explicam os economistas. 

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