Mudanças no ITCMD aumentam impacto na transmissão de riqueza
O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) tem origem na Constituição Federal de 1988, mas, ao longo dos anos, alterações legislativas e emendas constitucionais proporcionaram aos estados maior autonomia na definição de alíquotas. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132, esse tributo mudou. Exigido nas doações de bens e na transmissão de patrimônio aos filhos e herdeiros, agora o imposto sobre a herança é maior e obrigatoriamente progressivo.
Ou seja, quanto maior o patrimônio a ser doado ou herdado, maior a incidência de tributação. Antes, a porcentagem do ITCMD podia ser fixa ou progressiva – ficando entre 4% e 8% – a depender do estado, da localidade do patrimônio e do doador ou falecido. Agora, com a alteração na Constituição, o percentual pode saltar para até 16%.
Comparativamente, a alíquota no Brasil só é menor que em cinco países desenvolvidos, como Reino Unido (40%), China, Japão, Coreia do Sul e Holanda (10%), inclusive no caso de transferência para não-filhos. Mas a comparação direta não é correta, pois essas nações não possuem os mesmos custos de inventário, regulamentados pelo Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) e simplificados pela Lei nº 11.441/2007, no Brasil. Somando o imposto às custas de inventário, nosso país impõe um ônus significativo às famílias brasileiras na transmissão de bens aos herdeiros, prejudicando a transferência de riqueza geracional.
De acordo com o 5º Relatório “Cartório em Números” da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR), de janeiro de 2007 a novembro de 2023, foram realizados 2,3 milhões de inventários pelos Tabelionatos de Notas no Brasil. Os estados que mais contribuíram para esse número foram São Paulo (880.751), Paraná (265.508) e Rio Grande do Sul (261.173), destacando a importância dos cartórios na execução desses processos. Esses dados refletem a eficiência e a abrangência dos serviços cartorários na gestão de patrimônios e na sucessão familiar (ANOREG).
Segundo Roger Mitchel, diretor do escritório internacional contábil e jurídico Contabilidade Internacional, as nuances do sistema jurídico e tributário brasileiro deveriam ter sido consideradas antes da reforma tributária recente uniformizar e aumentar o imposto, por meio da Emenda Constitucional nº 132. Segundo ele, “Quando um país taxa, dificulta, burocratiza ou até mesmo impede a transmissão de riqueza geracional, a ascensão social fica severamente prejudicada. A sucessão familiar e o planejamento sucessório precisam funcionar, para que a transferência de riqueza aos herdeiros aconteça.”
Em relação aos custos do procedimento de inventário, além do ITCMD, que pode chegar a 8%, somam-se taxas como judiciais (1%), formal de partilha (1%), avaliação de mercado (1%), honorários advocatícios (5% a 10%), imposto sobre ganho de capital (15%), escritura (1%) e ITBI (4%), além de custas cartorárias (1%). Esses encargos podem resultar numa perda de até 37% do patrimônio a ser transferido, o que representa um desafio significativo para os herdeiros e famílias durante o processo de sucessão (ANOREG).
E isso pode acontecer duas vezes na transferência de um mesmo patrimônio, no caso do falecimento do pai e, posteriormente, da mãe. Logo, fica quase impossível que um negócio familiar chegue à sua terceira geração. Esse sistema atual revela a urgência de um olhar que considere tanto a arrecadação estatal quanto a estrutura legal que exige o inventário judicial, de forma a garantir a distribuição equitativa de riqueza, superando a política fragmentada atual do governo que não considera essa “dupla taxação” na transmissão de riqueza geracional.
A pergunta que se levanta é: se os custos de inventário também fossem parar diretamente nos cofres públicos, o imposto sobre a herança se manteria estacionado?
No fim, a conta é simples: quanto mais cara a transmissão dessa riqueza, menor a ascensão social. Se os herdeiros não recebem herança suficiente, terão que começar do “zero” novamente, como os próprios pais, continuando dependentes de serviços públicos como moradia, segurança, educação e saúde. Se continuar desta forma, a tributação sobre a herança no Brasil continuará a impor barreiras à justiça social e à mobilidade socioeconômica, perpetuando uma sociedade em que quem nasce pobre está destinado a continuar dessa forma, geração após geração.